segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O assassinato na Mooca

O assassinato na Mooca

Gabriel Passos – Para o blog A Luta Armada no Brasil – www. lutaarmadabrasil.blogspot.com
----------------------------------------------------------------------------------

Através de depoimentos de moradores e militantes, inclusive o de Antônio Carlos Bicalho Lana – presente no livro “Nas Trilhas da ALN”, de Carlos Eugênio Paz – “A Luta Armada No Brasil” traz uma matéria sobre o brutal assassinato de três militantes da ALN num restaurante localizado na Mooca, bairro da cidade de São Paulo, em 14 de junho de 1972. A fotografia ao lado foi divulgada pelo DOPS na época, onde aparecem as fotos dos militantes e as armas que teriam sido encontradas com eles. Também publicamos fotos de onde se localizava o restaurante, atualmente.
----------------------------------------------------------------------------------

O dia 14 de junho de 1972, uma quarta-feira, estava começando. Chegava a hora do almoço. Três jovens militantes da ALN – Antônio Carlos Bicalho Lana, Ana Maria Nacinovic Corrêa e Marcos Nonato da Fonseca - tinham reunião com outro jovem militante, Iuri Xavier Pereira, reunião esta para tratar de assuntos da organização. Marcou-se um almoço num pacato restaurante na Rua Antunes Maciel, paralela a Rua da Mooca, no tradicional bairro paulista que dá nome à rua. Chamava-se Varella.
Havia muito que se conversar. Logo após sentarem, Marcos avisou a Antônio Carlos que sua pistola estava com a coronha fora da camisa. Pistola em seu lugar, a conversa fluiu normalmente por um longo tempo. Até que o proprietário, o português Manoel Henrique de Oliveira – que já era alcagüete da repressão - reconheceu Ana Maria. Ligou para o DOI-CODI, situado à época na Rua Tutóia. Uma equipe foi enviada ao local. Dois “agentes” entraram no restaurante e reconheceram os companheiros. Descobriram o carro que usavam – um fusca – e montaram uma armadilha.
Conversa terminada, almoço pago, saíram do restaurante. Antônio Carlos entrou no Fusca e, no momento em que colocou a mão na maçaneta para abrir a porta para os companheiros, os tiros começaram. Na primeira rajada, Antônio Carlos foi ferido e deitou-se sob o banco do passageiro. Pegou a metralhadora que estava no chão e engatilhou-a. De repente, silêncio. Estavam recarregando as armadas. Antônio Carlos saiu do carro, disparando rajada contínua em círculos. Procurou os companheiros. Marcos, Ana Maria e Iuri acabavam de ser covardemente assassinados. Correu rua acima, onde um carro parou atravessado, com medo do tiroteio. Puxou o motorista para fora e arrancou em disparada. Os tiros recomeçaram, mas não conseguiram acertá-lo. Foi até o Ipiranga, onde roubou um fuscão de uma mulher e foi para o aparelho.
No local, ficaram alguns policiais. Foi aí que a selvageria teve início. Davam coronhadas, jogavam os corpos de um lado para o outro, de cima para baixo. Ana Maria ainda vivia quando um policial disparou uma rajada de fuzil à queima-roupa. Foi o alvo preferido da selvageria praticada pelos agentes da repressão. Pouco depois, vieram uma ambulância e um carro do IML e os cadáveres foram levados. No “tiroteio”, uma criança e um transeunte foram atingidos pelos policiais.
Chegando ao aparelho, Antônio Carlos foi medicado e as balas retiradas. Foram três ferimentos, todos no lado direito do corpo. Começou, então, a busca pelos militantes. Carlos Eugênio Paz foi até os pontos que tinha com os três. Não apareceram. Algum tempo depois, os jornais divulgariam a notícia, repleta de informações falsas. Chegaram a dizer que estavam seguindo os militantes, estes na companhia de José Pereira da Silva. No entanto, José Pereira estava preso a algum tempo. Depois da divulgação das mortes, militantes da ALN foram até o restaurante, procurar por algum culpado, afinal era estranho os “agentes” acharem os militantes no restaurante. Ouviram o proprietário se vangloriar do feito, dizendo que havia reconhecido Ana Maria pela foto de um cartaz e ligado para a Tutóia. Algum tempo depois, no dia 21 de fevereiro de 1973, o comando Aurora Maria do Nascimento Furtado - homenagem a companheira barbaramente assassinada sob tortura em 10 de novembro de 1972 -, da ALN, chegava ao restaurante para justiçar Manoel Henrique. Logo após os tiros, seu corpo foi coberto de panfletos da organização.
Em novembro de 1973, Antônio Carlos era assassinado junto a sua companheira, Sônia Maria de Moraes Angel Jones, sob tortura.
Passados quase quarenta anos, alguns moradores ainda se lembram do assassinato. Moradores estes que, dias depois, tentaram elaborar um abaixo-assinado para o Governador do Estado como forma de protesto e que, em 1992, sugeriram a construção da creche Ana Maria Nacinovic Corrêa.
O prédio onde se localizava o Varella ainda existe. Passou por uma reforma há algum tempo. Mas as marcas continuam lá. Não as marcas de sangue. Mas as marcas que vão ficar para sempre na história do Brasil. As marcas covardes da repressão.




quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Marcos Nonato da Fonseca, o mais jovem da ALN

Marcos Nonato da Fonseca, o mais jovem da ALN

Gabriel Passos – Para o blog A Luta Armada no Brasil –
www. lutaarmadabrasil.blogspot.com

---------------------------------------------
No dia 06/01/2009, Leda Nonato(foto), mãe de Marcos, nos concedeu uma entrevista, por telefone. Assassinado aos 19 anos, Marcos talvez fosse o quadro mais jovem da ALN
---------------------------------------------

Dele, pouco se sabe. Saiu de casa aos 16 e desde os 13 tinha envolvimento com a luta. Levou todos os tipos de pertences. De fotos, só restou uma, tirada junto a família, aos 11 anos. Na mesma época em que, numa brincadeira com o irmão, cortou a sobrancelha, resultando numa pequena cicatriz vista pela última vez no dia de seu enterro.
Marcos Nonato da Fonseca, o Marquinhos, carioca, era estudante secundarista do tradicional colégio Dom Pedro II, berço de muitos revolucionários e líderes estudantis. Sua mãe, Leda Nonato, tem mais lembranças do filho pequeno, alegre e estudioso. Da época em que estava prestes a sair de casa, destaca uma: “Certa vez eu cheguei em casa e ele disse: ‘Mãe, tem um amigo meu que vai dormir aqui em casa’. Era alto e usava farda do exército. Dormiu na sala, no sofá, e saiu logo cedo”. Era Carlos Eugênio Paz, o Clemente, comandante da ALN.
Marcos tinha todo o cuidado de esconder da família seu envolvimento na luta. Temia que eles fossem atingidos pela repressão. Dava notícias de vez em quando, através de uma amiga. Temia que o telefone dos pais estivesse grampeado.
No dia 14 de Junho de 1972 foi, como sempre ia, almoçar no restaurante Varella junto a Ana Maria Nacinovic, Iuri Xavier Pereira e Antônio Carlos Bicalho Lana, todos da ALN. Marcos era o mais novo deles, apenas 19 anos de idade.
Vendo mais uma vez os militantes em seu restaurante, Manoel Henrique, o proprietário português, ligou para a polícia e fez a denuncia. Pouco tempo depois, um enorme contingente de policiais ocupou alguns pontos da rua Antunes Maciel, bairro da Mooca. Chegaram atirando. Para o crime, existem duas versões – que esperamos que sejam esclarecidas 1 – a das mortes sumárias e a da prisão seguida de fuzilamento num pátio do DOI-CODI. O certo é que os três corpos foram vistos, na sede do DOI-CODI, situada a Rua Tutóia, São Paulo, pelo preso político Francisco Carlos de Andrade.
Posteriormente, o pai e o irmão de Marcos foram até São Paulo em busca do corpo. Trouxeram o caixão blindado, onde só se via seu rosto, para ser enterrado no cemitério São João Batista(RJ). Segundo sua mãe, “o que mais tinha eram policiais do DOI, em cima dos túmulos”. Fotografavam o enterro em busca de algum companheiro presente no local. Não tinha ninguém. Somente as marcas da barba feita e do cabelo cortado de Marcos, somente o sentimento de impunidade que pairava o ar daquele cemitério.
Sentimento que, até hoje, prevalece na memória de quem viveu aquele período tão sangrento. Tão sangrento que tirou a vida de um jovem de dezenove anos, tão cheio de sonhos e ideais.
Marcos partiu como imaginamos que deveria pensar em partir: Como um herói.

-------------------------------------------------
1 : De todas as versões, a mais contundente é a da morte no local, sem reação. Segundo Enerstina, mãe da criança que passava e foi ferida pelos policiais, assim como outro transeunte, quatro jovens se dirigiam a um carro quando os policiais abriram fogo e mataram Ana Maria, Marcos e Iuri. Antônio Carlos conseguiu fugir, no carro, e foi seguido de alguns policiais. Logo depois, chegaram uma ambulância e um carro do IML para a retirada dos cadáveres. Em breve, mais informações.